sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

As licenças



Antes da imprensa, a difusão do livro era escassa, uma vez que a cópia era feita à mão, numa tarefa em que um livro demorava meses ou anos a ser replicado. A questão dos direitos ou do controlo do autor ou do copista não se punha, num mundo que se regia por tempos, princípios e constrangimentos materiais muito diferentes daquilo que faz o nosso quotidiano.
Com o surgimento da imprensa (1455), deu-se um grande impulso à difusão do livro, com o surgimento crescente do número de impressores que, numa pequena fracção de tempo levado pelos esforçados copistas, compunham e editavam livros a um ritmo cada vez maior.
No século XVI, dificuldades de sobrevivência das oficinas, preocupadas face a situações de fraudes e de outras situações de natureza corporativa, surgiu o chamado Privilégio Real, isto é, o Rei fazia uma concessão particular a determinados impressores, excluindo os restantes do direito de imprimir.
Porém, essas concessões também tomaram um cariz censório sobre os autores, quer controlando a impressão preventivamente, quer assumindo mesmo um carácter repressivo.
Cada livro requeria pelo menos três licenças de impressão: a da Inquisição, a do Ordinário (ou seja, do Bispo) e a do Paço (ou seja, do Rei ou dos seus funcionários); no caso do autor pertencer a uma ordem religiosa (como era o caso de Vieira), juntava-se a licença da Ordem (da “religião”).
Uma vez concedida a Licença o livro podia ser impresso e, depois de concluída esta parte, voltava à Mesa para ver se estava “conforme o original”. Nessa altura vinha a aprovação final, dada pelos 3 (ou 4) poderes, com os termos: “pode correr”. No fim ainda poderia ser sujeito a uma taxa (imposto).
Tudo isto levava muito tempo e era preciso, se a obra contivesse aspectos mais controversos, argumentar com cada um destes poderes.
Havia, portanto, duas censuras: a religiosa (com listagens de livros expressamente proibidos por heresia) e política. Esta última não era menos rígida do que a primeira, dependendo da tolerância do monarca. Nos casos em que havia maior severidade, aumentava também a impressão clandestina e a circulação de livros proibidos por circuitos paralelos.
A obra impressa do Padre António Vieira foi sujeita a todas as licenças e circulou sem restrições aparentes.
Pedro Semedo

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