sexta-feira, 18 de julho de 2008

No tempo de Vieira




A FACHADA COMO UMA MÁSCARA


Repare-se na planta da igreja e na estampa que reproduz a fachada.

Imagine-se que chegávamos numa carruagem do século XVIII e observávamos o edifício pela primeira vez. Que sensação nos sugeria?

Em primeiro lugar, o de contemplarmos um edifício de escala esmagadora, sem dúvida.

Também cria uma interrogação perante o seu interior: um único espaço muito amplo (à maneira de S. Pedro do Vaticano) ou uma imensidade de divisões (como o Mosteiro de Mafra ou a Versalhes dos luízes)?

E aquelas colunas altíssimas, o que fazem ali? Uma brincadeira à volta da "coluna de Trajano"?

A gramática clássica também ali está representada: frontão, colunas, cúpula (algo excêntrica, é verdade), etc. A porta de entrada parece a de um templo romano, até tem uma escadaria de acesso a um pequeno "podium".
Contudo, o resto da fachada (torreões e outros elementos) parece abafar e anular de certa forma a entrada à "romana". Ou seja, a gramática arquitectónica "antiga" está presente mas, à boa maneira barroca, os diversos elementos dispõem-se a uma escala monumental e numa subversão da relação entre si, o que nada tem a ver com as regras clássicas da proporcionalidade e do equilíbrio, ainda que mantenha uma certa simetria.
Ou seja, o Barroco também utiliza os referidos elementos mas altera-lhes completamente a relação determinada pelo "módulo" que vinha da Antiguidade e que tinha sido reinterpretado no Reanascimento. O Barroco surge-nos, assim, como uma subversão da ordem.

Entretanto, apeamo-nos da nossa carruagem e dirigimo-nos à igreja.
A escala é sobrehumana. Esmaga-nos.
Há uma contradição entre a linguagem clássica de uns elementos e a imensa massa, aparentemente caótica, dos torreões laterais. Acrescenta-se ainda a excentracidade das colunas (mas que raio fazem aquelas coisas ali?).

Antes da nave, existe um corredor curto, uma espécie de nártex, antecâmara da nave principal e espaço intermediário entre o exterior (o século) e o interior sagrado.
Este espaço é interceptado perpendicularmente por dois outros corredores, um à esquerda e outro à direita.
Espreitemos com curiosidade: que divisões servem estes corredores? Percorramo-los. Afinal descobrimos que não servem divisão alguma!!!! Nada. A não ser umas portas para as traseiras do edifício.

Entramos, finalmente, na nave. É única!!!

Tem umas capelas de cada lado, talvez para sugerir uma amplitude de espaço que a nave não possui.
A nave, elíptica, sugere uma certa profundidade, ampliada pela ábside bastante profunda.

A cobertura é dada por uma abóbada alta, reforçando a sensação de amplitude da nave.
Todos estes elementos são truques que nos induzem a criar uma "experiência sensorial", isto é sugere-nos uma amplitude de espaço que efectivamente não possui. O interior é, na verdade, muito mais pequeno do que nos parece fazer crer. Cria uma ilusão de amplitude através de pequenos truques arquitectónicos e da geometria da sua planta.

Bem vistas as coisas, a fachada também é um logro: promete-nos um interior muito diferente daquele que nos sugere à chegada.
Os tais torreões laterais não servem para outra coisa a não ser criar uma sensação de amplitude. É mais um truque.
A fachada também é uma máscara.
Pedro Semedo

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