terça-feira, 22 de janeiro de 2008

À maneira de Vieira...

SERMÃO DE UM CRENTE A UM PADRE

I
“Deixados para trás”

Nunca irei esquecer de que fomos “deixados para trás” pelos erros que cometemos. Agora, sim, compreendo a situação que estamos a viver. Só ainda não compreendo uma coisa, Padre, é como tu, que ensinaste e converteste tantas pessoas, não creste naquilo que pregaste; levaste a tua Igreja a Deus, mas não levaste o teu coração. Eu, porém, tive a ousadia de remexer nas coisas da minha irmã que, sendo crente, partiu, e encontrei a explicação para o que está a acontecer, “ Eu fui arrebatado no Espírito no dia do Senhor, e ouvi detrás de mim uma grande voz, como de trombeta” - Apocalipse 1:10.
Contudo, Padre, estou aqui, movido pela compaixão de Cristo, para te louvar e te repreender; todos os louvores e todas as repreensões que farei são para que abras os olhos e despertes para a verdade. Foi-nos dada uma nova oportunidade para mudarmos o rumo da nossa vida. Eu não a desperdicei e espero que também tu não a desperdices!

II

Deixados para trás”. Agora, Padre, passarei às tuas repreensões porque nem sempre as tuas acções foram as mais correctas. Quero ajudar-te a compreender tudo o que fizeste, para que tenhas um futuro melhor. Não as encares como algo de mau, mas apenas como uma oportunidade para corrigires os teus erros. Dá-me a tua mão, quero-te guiar, mostrar-te que tens andado perdido e confuso. Agora escuta-me!
Tu pregas a palavra de Deus e, no entanto, as tuas acções fazem-te parecer como as ovelhas perdidas de que Cristo falou, “E ele, respondendo, disse: Eu não fui enviado senão às ovelhas perdidas da casa de Israel” - Mateus 15:24. Ninguém te conheceu verdadeiramente, fechaste-te nos teus sentimentos e isso tornou-te insensível; ajudaste as pessoas, mas transparecias frieza e rigidez. Também, Padre, a tua atitude perante os pobres revelou o teu carácter: julgaste-os pela aparência, pela simplicidade e pela sua ingenuidade e chegaste ao extremo de os separar da restante congregação (os ricos e fartos de um lado e os pobres e famintos do outro). Vê até onde chegou a tua crueldade! Olha para o que faziam os fariseus: cuidavam da aparência e do exterior, mas não se importavam com o estado da sua alma. Tu revelaste-te igual porque discriminaste os mais pobres; menosprezaste os verdadeiros ricos de espírito e engrandeceste os pobres de espírito, mas materialmente ricos. Tu sabes que os ricos deram uma pequena parte da sua riqueza, enquanto que os pobres, que pouco tinham, tudo deram; e isto é que é uma oferta genuína!
Também me entristeceu ver que não és um homem de palavra; sobrepuseste os teus interesses aos dos teus crentes. Foram tantas as viagens a que foste e de que não deste notícias, as missas que pregaste em função do tempo e não da necessidade dos crentes, as ofertas mal contadas e o dinheiro desperdiçado em coisas fúteis, mas que te eram benéficas! Não deste o exemplo para a tua Igreja, mas esta, felizmente, manteve-se firme e fiel à palavra de Deus. Tu, porém, não deste muita importância à Palavra e embelezaste as tuas pregações com frases soltas e vagas (que a salvação vinha por meio de Cristo, que os pecadores seriam castigados, etc.), contradisseste-te inúmeras vezes, até mesmo em frente dos descrentes.
Mas, Padre, descansa! Um dia já fui como tu: menti à minha família dizendo ser crente, encarei a missa como algo rotineiro e esqueci-me do seu verdadeiro significado. Não dei o exemplo às minhas filhas, assim como tu não deste aos teus crentes. A minha vida envolveu-se numa gigantesca bola de neve repleta de enganos, mentiras e tristezas; perdi a minha mulher e as minhas filhas (tudo o que mais amava no mundo). Não olho para o que fui, mas para aquilo em que me transformei e desejo que tu também te transformes, pois avizinham-se tempos difíceis. Como sabes, Padre, os anos que se seguem vão pôr à prova a nossa fé e esta é a altura ideal para nos corrigirmos e aperfeiçoarmos. Vão-nos perseguir, maltratar e até matar! Por isso, Padre, advirto-te para que não te percas e para que vejas a luz, o verdadeiro caminho.

III

Descendo ao particular, Padre, direi que uma das coisas que me desedifica, é o facto de há cerca de dois anos, na viagem anual da Igreja, não teres sido responsável pelo grupo de irmãos. A irmã Célia, avançada em idade, ia caindo na piscina do parque sem que tu te apercebesses. O irmão António, que tem problemas de audição, não ouvia as tuas indicações e, em consequência, perdia-se várias vezes. Um Padre, como dirigente da Igreja e dos seus congregados, tem o dever de os ajudar tanto a nível físico como espiritual. Lembra-te: aos olhos de Deus somos todos iguais!
Lembras-te, Padre, quando, numa missa de Reguengos de Monsaraz, todos os irmãos foram de autocarro para lá? Pois é, tu tinhas uma carrinha cedida gratuitamente pela Câmara e nem te dignaste a oferecer boleia aos teus irmãos. Em vez disso, escondeste a carrinha atrás de tua casa (sim, porque eu vi-a!) e deixaste que eles gastassem as suas poupanças numa viagem que poderia ter sido de graça. Olha para o teu egoísmo e como ele te consumiu.
Outra coisa que me entristeceu, Padre, foi o que fizeste, no ano passado, por alturas da Páscoa. Estavas tu, no púlpito da igreja, a anunciar a tua missionação de dois meses em África, quando dois irmãos se ofereceram para te ajudar no que fosse necessário. Tu, na tua soberba, recusaste com palavras amargas a sua ajuda e prosseguiste com a missa. Atenta, Padre, para a palavra das Sagradas Escrituras, “O que semear a perversidade segará males; e com a vara da sua própria indignação será extinto” - Provérbios 22:8, porque esta mesma se cumpriu em ti. A boa vontade dos teus irmãos não te foi suficiente; achaste que conseguias desenvencilhar-te sem quaisquer ajudas; mas Deus mostrou-te que a Igreja é como um corpo, do qual Cristo é a cabeça e os irmãos os restantes membros. Uns não podem viver sem os outros. Em consequência do teu pecado, ficaste sem abrigo em África e passaste fome. Deambulaste sozinho pelas ruas e não achaste coisa alguma senão miséria. Oh Padre! Muito tens tu que agradecer à tua Igreja e ao teu Deus porque de lá te resgataram. Rezaram todos incessantemente por ti até que a graça divina pousasse sobre a tua cabeça.
Também te dirijo, Padre, severas críticas no que diz respeito à forma como geres o dinheiro da Igreja. Os tesoureiros da Igreja ficaram perplexos quando descobriram gastos na ordem dos mil e quinhentos euros por mês nos últimos dois anos. Os irmãos especularam onde teria sido gasto tanto dinheiro, já que nem a fachada exterior da Igreja nem o interior tinham sofrido reparações. Recordo-me de dizeres que esse dinheiro era para ajudar a missão e os desalojados vítimas de desastres naturais. Qual não é o meu espanto, Padre, quando a irmã Carina nos veio dizer que te viu a redecorar a tua casa com ornamentos lindíssimos! Essa pobre alma nem sequer fazia ideia de que, na verdade, estavas a extorquir dinheiro aos fiéis para proveito próprio. E que pecado enorme é esse! Fazes-me lembrar o papa Leão X, quando impôs as indulgências para acabar a construção da Basílica de S. Pedro, no Vaticano. Em todas estas coisas procedeste mal, pondo em causa a tua credibilidade. E digo-te todas estas coisas para que te comovas e arrependas.

IV

Agora, Padre, passarei aos teus louvores, para que saibas o que de bom tens feito e que é necessário que continues a fazer, neste pouco tempo que nos resta.
Uma coisa que sempre admirei em ti, Padre, é o teu sentido de liderança, a tua força de vontade e o teu desejo de aprender cada vez mais. Nisto, dás tu sempre o exemplo. Lês bastante e, sobretudo, tentas compreender o que lês. Por isto, também te louvo, Padre, pois dou valor a pessoas cultas e instruídas.
Organizaste convívios em casa dos irmãos enfermos, para que estes se sentissem bem. Transmitiste-lhes esperança e rezaste por eles, alguns abeirando-se da morte. Foste perseverante e incansável.
Sempre te interessaste pela missão, e pela chamada de Deus à pregação noutros países. Nunca baixaste os braços e viajaste um pouco por todo o mundo convertendo pessoas, novos e velhos.
Dou muito valor ao facto de teres conseguido manter a tua Igreja unida. Muitos Padres não conseguem “agarrar” os seus crentes, mas tu conseguiste. Recorreste a coros excelentes, a instrumentos musicais deslumbrantes e à pregação da Palavra de forma entusiasta. (Pena que não creste no que pregaste!).
É de louvar também o teu gosto pela Natureza e pelo ar puro, porque sempre te preocupaste em manter o jardim da Igreja aprazível. As pessoas que passavam na rua teciam-lhe os maiores elogios e, por vezes, escapuliam-se por detrás dos arbustos só para conseguir um raminho de magnólias ou de margaridas. Também sempre permitiste que os passarinhos lá fizessem os seus ninhos, que os sapos saltitassem de um lado para o outro e que as formigas formassem os seus carreiros para carregar a sua comida. Nunca te intrometeste neste ciclo da Natureza.
No que diz respeito às épocas festivas, foste tu quem organizou as quermesses de Natal com pompa e circunstância; foste tu que ajudaste na escolha do presépio e que montaste as luzes à entrada da Igreja. Na Páscoa, trouxeste os pães, o vinho e deste chocolates às crianças da catequese. Também procuraste novas músicas para o coro da Igreja e encenaste peças de teatro com as crianças, para celebrar a morte e ressurreição de Cristo. E dou muito valor ao teu trabalho com as crianças, porque elas são o futuro! Em todas estas coisas foste incansável e reconheço o teu esforço.
Elogio também, Padre, o trabalho que desenvolveste nos meios de comunicação social. Tentaste aproximar as pessoas cada vez mais de Deus e isso é notável. Fizeste um programa de televisão, de rádio e escreveste vários artigos para os jornais, a que os olhares curiosos não resistiram. Soubeste como tomar partido das novas tecnologias para espalhar a Palavra de Deus e atrair pessoas de todo o mundo. Por isto também te louvo, por seres um pregador global, que não se contenta com pouco e que vai à luta. Tomara muitos terem a tua força e ousadia!

V

Descendo agora ao particular, Padre, vou referir certas situações em que mereces ser louvado.
Lembras-te quando fomos os dois pedir autorização à diocese, para colocar projectores na Igreja? Pois é, aí revelou-se a tua persistência. Apesar de estarem reticentes, tu enumeraste uma série de vantagens que os convenceram. Graças a isso, foram-nos dados mais dois projectores do que aqueles de que precisávamos.
Recordo-me também de uma vez, Padre, em que estávamos num jantar-convívio com os irmãos da Igreja, num restaurante não muito longe daqui. A vitrina do restaurante dava directamente para a rua, onde se via a estrada e um grande jardim ao fundo. O jantar decorreu normalmente; conversámos, rimo-nos de algumas peripécias e festejámos o aniversário de uma irmã. De repente, tu saíste do restaurante, preocupado e aflito, e todos nos questionámos sobre o que tinha acontecido. Quando fomos à rua, estavas tu de mão dada com um menino, que mais tarde nos disseste ter jogado a bola com que brincava para a estrada. Tu, sem pensar, socorreste-o e explicaste-lhe o perigo que corria. Louvor te seja dado por isso, Padre!
Elogio também, Padre, a tua participação na construção e fundação de várias Igrejas, como por exemplo, a Igreja do Sobralinho. Supervisionaste a sua construção e participaste nela; não ficaste de braços cruzados como fez o Padre dessa mesma paróquia. Carregaste baldes de cimento, levaste sacos de areia e ajudaste no fabrico de bancos para a Igreja, com as tuas capacidades de carpintaria. Escolheste ornamentos belos para o claustro da Igreja, conseguiste arranjar donativos para a compra dos instrumentos musicais e restauraste as imagens dos santos.
Padre, muitos louvores te sejam dados pela conversão da minha família! Quando nos conheceste, viste uma família desunida, que discutia por tudo e por nada; era evidente que um vazio enorme havia crescido entre cada um de nós. Quando a minha mulher, Alice, se converteu, vi um brilho nos olhos dela como nunca tinha visto. As minhas filhas também se converteram e por isso hoje não estão aqui. Sei que eram felizes e isso basta-me; também sei que as irei reencontrar um dia.
Por tudo isto te louvo; por todas estas qualidades que tens e que deves preservar, para que possas dar frutos. “Produzi, pois, frutos dignos de arrependimento, e não comeceis a dizer em vós mesmos: Temos Abraão por pai; porque eu vos digo que até destas pedras pode Deus suscitar filhos a Abraão” - Lucas 3:8.

VI

Padre, após ter mencionado tudo isto, repreensões e louvores, espero que reflictas sobre cada palavra que te disse. Dirigi-me a ti, Padre, para que possas ser salvo e para que encontres o verdadeiro caminho; para que não sejas “deixado para trás” para sempre. Penso que o objectivo foi cumprido. Estavas perdido e completamente confuso.
Tudo neste mundo tem uma razão de ser; Deus não me enviou aqui por acaso; ao contrário do que muitos pensam, não é Deus a causa de todas as coisas más que acontecem no mundo, mas sim os homens, que são traiçoeiros e que lutam, se for preciso, até à morte. Lutam por terras, lutam por coisas insignificantes, lutam pela religião; Deus enviou-me porque te quer dar uma segunda oportunidade, a ti e a todos aqueles que não aproveitaram a primeira. Sê sábio e aproveita-a, porque quero que sejas salvo. Mais uma vez te digo que os próximos anos, vão desafiar a nossa fé e não nos podemos dar ao luxo de nos separar. Quero que sejas mais do que um amigo, quero que sejas meu irmão!



Joel Bernardo, 11ºD
Joan Silva, 11ºA

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